terça-feira, 14 de junho de 2011

A triste "viagem" de FHC



Nesta semana, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso completou 80 anos. O homem que se notabilizou nas ciências como um estudioso das desigualdades sociais e que – irrefutavelmente – contribuiu para o início de um ciclo virtuoso de emancipação econômica dos pobres do Brasil, retornou meses atrás ao debate público nacional, como principal líder de uma campanha, no mínimo, estranha: a descriminação do uso de todas as drogas, especialmente a maconha.
Junto com muitos brasileiros, considero Fernando Henrique o estadista mais importante de nossa história recente. Quanto mais recuamos no tempo, mais ficam claros os terríveis desafios que sua equipe teve de enfrentar para implantar o Plano Real, o Bolsa Escola, a estabilização da economia e da democracia, enfrentando uma oposição implacável e freqüentemente injusta com seu legado.
Entretanto, o fato de admirar seus feitos não me obriga a registrar, com decepção, os descaminhos dessa sua nova empreitada. Como pastor, acompanho o tema das drogas há algum tempo, e os males que sua disseminação produz na sociedade, o que me obrigou a buscar formação na área, através de um curso de Capacitação no Combate ao Uso Abusivo de Drogas, da Secretaria Nacional Antidrogas do Ministério da Justiça (criada, por sinal, no governo de FHC). Na formula que o ex-presidente defende, o uso de todas as drogas não seria mais criminalizado, mas o tráfico continuaria sendo proibido. Surpreende que o líder de um governo que revolucionou a economia não consiga perceber que esta seria a melhor alternativa para os traficantes, e isso graças a um conceito elementar da economia: a lei da Oferta e da Procura. Com o consumo liberado, aumentaria a demanda, mas a oferta continuaria reprimida, o que aumentaria o preço – e em conseqüência, os lucros – do crime organizado.
FH agora se tornou o herói dos militantes da legalização da maconha, que defendem o livre comércio da droga sob a alegação de que seria “menos nociva” do que certas drogas legais, como o álcool e o tabaco. Este argumento vai na contramão do que vem sendo feito pelas autoridades de saúde no Brasil – inclusive o então ministro da Saúde de seu próprio governo, José Serra – que conceberam ferramentas pra coibir o consumo de drogas legais. Ao invés de apoiar ações como a Lei Seca nas estradas e a proibição do cigarro em locais de uso público, o ex-presidente quer mais liberdade para viciados, onerando nosso já combalido Sistema Único de Saúde. Além disso, chamar a maconha de “leve”, justo uma droga capaz de provocar perda de memória, depressão, hiperemia conjuntival, taquicardia, alucinações e câncer, é no mínimo desonestidade intelectual.
Ao defender a descriminação das drogas, FHC faz graça para os intelectuais de esquerda - uma platéia que sempre o rejeitou, numa tentativa desesperada de lhes conseguir o aplauso. Pode ser até que consiga, mas será à custa de centenas de famílias destruídas e desagregadas por toda sorte de vícios, e que acreditam no caráter pedagógico da punição criminal para seu uso. Essa nova “viagem” do ex-presidente macula seus 80 anos para garantir a “curtição” de uma turma que prefere mudar a lei a se adequar a ela. Lamentável.