quarta-feira, 27 de julho de 2011

Descanse em paz, John



“Sou cristão não porque a fé cristã é atrativa, mas porque é verdadeira” (John Stott).

Lembro ainda de quando fui apresentado pela primeira vez a um texto de John Sttott. Em meu primeiro ano como professor do Instituto Teológico Quadrangular, recebi a determinação de fazer a resenha de um livro, pra anexar ao nosso prontuário. Todos os professores que ingressam no Instituto tinham que produzir uma resenha crítica da mesma obra. O livro em questão era o famoso “Crer é Também Pensar”, de John Stott, e o impacto foi imediato. Enfim, havia encontrado um autor cristão que fazia uma defesa clara e competente da importância do pensamento crítico para a genuína fé. Fui buscando conhecer mais e mais de suas obras, e sem grande esforço, fui reconhecendo neste teólogo britânico o meu autor favorito.
John Stott partiu para junto do Senhor nesta quarta-feira, 27 de julho, aos 90 anos, exatos quatro anos depois de anunciar sua aposentadoria em julho de 2007. Autor de uma extensa obra teológica e devocional, com mais de 50 livros, Stott se caracterizava pela defesa intransigente da racionalidade do Evangelho. Fiel às suas raízes reformadas, é considerado por muitos estudiosos cristãos da atualidade como o teólogo mais influente do século XX, opinião da qual discordo. Podemos até dizer, com alguma justiça, que ele foi um dos mais “conhecidos” teólogos do século, mas se realmente sua influência tivesse sido na mesma proporção, a Igreja Evangélica não estaria tendo tantos descaminhos.
Stott marcou, sem dúvida, a formação de uma geração inteira de pastores que buscaram se comprometer exclusivamente com o Evangelho da Cruz. Mas, tristemente, a clareza de seu pensamento tem sido abandonada em favor de um “outro evangelho”, como diria o apóstolo Paulo, onde prospera um emocionalismo escravizante e uma concepção meramente utilitária da fé. Pregadores influentes repetem em programas de televisão que “a Bíblia só funciona onde a pessoa acredita”. Stott, ao contrário, dizia que a fé no Filho de Deus não podia ser reduzida a uma mera “funcionalidade”, como um objeto qualquer. Deus deve ser amado porque é Deus, não porque “funciona”.
Chutou pra longe o autoritarismo clerical ao dizer que os pastores estão sob Cristo para servir, e não “sobre” os crentes para comandar. Chocou os propagadores de uma fé puramente emotiva ao dizer que “o amor é mais um serviço do que um sentimento”, e teve a coragem de afirmar que Deus amava os que buscavam a sabedoria, numa época em que o desprezo ao conhecimento e a apologia da ignorância vicejam como pragas na seara. E pra escandalizar ainda mais a mentalidade autoritária de certo pseudo-cristianismo, viveu tudo aquilo que pregou, investindo na formação de líderes cristãos de todo o mundo, especialmente dos países pobres, através do Fundo Langham Partnership International.
Que a alma de John Stott descanse em paz, mas não o seu pensamento. Que ele permaneça vivo nas páginas de seus livros, inquietando pastores e crentes, e incendiando altares em todo o mundo.
Amém.

O "Professor" de Jesus


Pintura "Salomé com a cabeça de João Batista", Caravaggio, 1607 - National Gallery, Londres

“Entre os nascidos de mulher, não há maior profeta que João Batista” (Lucas 7:28);

Uma das passagens dos Evangelhos que mais me emociona é o trecho de Mateus 11, em que discípulos enviados por João Batista questionam Jesus sobre se realmente ele era o Messias prometido ou se deveriam esperar algum outro. Após respondê-los que “os cegos vêem, os coxos andam, os paralíticos são levantados e aos pobres é anunciado o Evangelho”, Jesus inicia um discurso profundamente elogioso, emocionado mesmo, sobre João Batista. Para quem lê a Bíblia com os olhos de um cristão, trata-se de um fato nada desprezível ser digno de menção pelo próprio Filho de Deus.
A narrativa dos Evangelhos é bastante elíptica, com frases curtas, bem ao estilo da antiga literatura judaica, e por isso muita gente que lê os textos apressadamente pensa que João Batista apenas batizou Jesus, e pronto. No entanto, Joao Batista foi, por muitos anos, um importante profeta, que apesar de vestir-se mal e ter hábitos estranhos, levava multidões ao deserto para ouvi-lo, gente que percebia a bênção de Deus sobre sua vida. Uma dessas pessoas foi o próprio Cristo, de quem o profeta tornou-se uma espécie de mentor, de professor, alguém que lhe “preparou o caminho”. O próprio Jesus deixa isso bastante claro quando os fariseus lhe perguntam de quem ele havia recebido autoridade para pregar, e Jesus declara que foi através do Batismo de João Batista.
Depois de batizar Jesus, João Batista continuou arrebanhando discípulos e pregando o arrependimento. Muitos deles apenas tinham ouvido falar de Jesus, e tinham muitas dúvidas. João Batista sabia que, para estes, não bastava apenas argumentar. Por isso João mandou que fossem até Jesus, para que vissem com seus próprios olhos.
Mais do que crer em Deus, o que precisamos verdadeiramente é ter um encontro pessoal, uma experiência com Ele. Muitos que afirmam crer em Deus crêem apenas por uma convenção social, mas não têm, de fato, uma experiência pessoal com Ele. João Batista compreende esta necessidade, e num gesto de grandeza de quem não tem receios autoritários quanto a seus discípulos, manda-os até Jesus, que não precisou defender com palavras sua condição de Messias: os milagres, os frutos, falavam por si mesmo. Joao Batista estava preso porque tinha desafiado o rei ao denunciar seu pecado de adultério. Mesmo assim, Jesus exaltou a grandeza de João Batista, o precursor de seu ministério. Fala com carinho sobre o primo e preceptor, com a grandeza de quem não veio para desconstruir o passado, mas para ajustá-lo à perspectiva do presente. Fez isso de maneira absolutamente coerente com o que disse no Sermão do Monte: “Não vim para revogar a lei, mas para cumprir”.
Por isso, sempre desconfio de todo tipo de “movimento salvacionista” que surge criticando tudo o que existiu antes e se apresentando, sem modéstia, como “os únicos portadores da verdade”. Este tipo de comportamento deve ser sempre vigiado de perto, seja no campo da fé, da política, das ciências... qualquer um que chega com aquele discurso de “nunca antes na história deste país...” Cuidado. Se for na igreja, é heresia. Se for nas artes ou nas ciências, é embuste; e se for na política, é autoritarismo puro mesmo. Jesus, como provam estas passagens do Novo Testamento, não desconheceu os que deram do seu suor antes dele. Quem somos nós, portanto, pra agir desta forma?