sábado, 21 de maio de 2011

Liberdade de crença: Um passo atrás?



Pois por que há de a minha liberdade ser julgada pela consciência de outrem? (1ª Co 10:29b)

Como qualquer nação do mundo, o Brasil também gosta de, vez por outra, ressaltar perante a comunidade internacional alguns dos traços culturais que o tornam diferente do resto do mundo. Mais do que simples país do futebol, o Brasil sempre prezou ser reconhecido como uma pátria multiétnica e de absoluta liberdade religiosa. O país que na visita do papa João Paulo II em 1981 era considerado o maior país católico do mundo, é hoje também o segundo maior país protestante, o maior país pentecostal e também o maior país do espiritismo, tudo isso sem ter perdido a liderança no rebanho católico-romano. Além disso, é a pátria onde judeus e muçulmanos são vizinhos em zonas comerciais, construindo um ambiente de tolerância e absoluta liberdade religiosa. Várias vezes os presidentes da Nação referiram-se, quando em solo estrangeiro, sobre a liberdade de credo como uma das marcas mais distintivas da identidade nacional.
Mas nem sempre a liberdade religiosa foi absoluta no Brasil. A religião oficial do Império era exclusivamente a católico-romana, e o brasileiro não-católico era um cidadão de segunda classe, que não poderia ocupar cargos públicos, por exemplo. A existência de outros credos era oficialmente tolerada, desde que praticassem sua fé exclusivamente dentro de seus locais de culto, que não poderiam ter nem mesmo a aparência exterior de templo. É por esta razão que a maioria das igrejas evangélicas brasileiras, até o dia de hoje, não possui torres, sinos ou outros traços arquitetônicos semelhantes. O cristão evangélico tinha a manifestação de sua fé restrita exclusivamente ao templo, porque para a Coroa, a fé evangélica era um credo estrangeiro que atentava contra a identidade nacional. Mais tarde, no período republicano, mesmo com a separação oficial entre Igreja e Estado, a ameaça hegemonista sempre rondou de perto os evangélicos, roçando as franjas do autoritarismo. Foram inúmeras as igrejas protestantes destruídas por ordem de sacerdotes e freis no Nordeste, do que dá testemunho a literatura de cordel.
Hoje, em pleno século XXI, um novo perigo ronda a liberdade de crença num país que ama ostentar ao mundo sua tolerância religiosa. Na busca legítima por punições contra atos de violência de que são vítimas, grupos de homossexuais erram o alvo, e ao invés de propor uma legislação mais dura contra a ação de bandos que os agridem nas ruas de São Paulo e Rio – como skinheads e outras facções de corte ideológico fascista – voltam suas baterias contra as igrejas cristãs em geral, e as evangélicas em particular. Sob o cândido apelido de “Lei da Homofobia”, o Projeto de Lei 122/2006 propõe, entre outras coisas, punir com x anos de cadeia quem praticar “violência filosófica” contra um homossexual. Na prática, a simples citação do trecho bíblico de Romanos que define a prática homossexual como pecado deixaria de poder ser mencionada, transformando parte da Bíblia Sagrada, que para os cristãos é a Palavra Viva, em “letra morta”.
Diante da forte reação negativa das igrejas e da sociedade civil, a senadora Marta Suplicy, responsável pelo desarquivamento da lei no Congresso Nacional, propôs uma manhosa alteração, isentando de punição as manifestações feitas em locais de culto, restringindo a liberdade constitucional de crença e consciência a um único espaço físico.
Em que pese as boas intenções de quem imaginou, através desta proposta, defender os direitos de uma parcela da população, não há como mitigar o seu viés autoritário e anticonstitucional. Sob o pretexto de promover os direitos de um grupo da sociedade, avança-se sobre as garantias constitucionais de toda a população. Sim, pois se hoje se defende restringir a liberdade de crença de alguns por “bons” motivos, nada impede que isso ocorra de novo, no futuro, por qualquer outra razão.
Se no passado, a desculpa para circunscrever a liberdade dos evangélicos aos limites das quatro paredes dos templos era o nacionalismo, hoje é o humanismo politicamente correto que busca transformá-los novamente em cidadãos de segunda classe, sem direito pleno à expressão de suas convicções, por mais anacrônicas que pareçam a alguns. É triste que valores com mais de dois mil anos de história estejam hoje na alça de mira de um pensamento que, a pretexto de pregar a tolerância, pode fazer o Brasil retroceder numa de suas características mais marcantes: a defesa absoluta da liberdade de crença como um patrimônio dos direitos humanos.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

O Meio Ambiente e a Produção: o que a Bíblia diz?



"E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra” (Gênesis 1:26).

Há diversos meses, a sociedade brasileira acompanha com profunda atenção os debates que se travam no Congresso Nacional, em torno do projeto do novo Código Florestal. De um lado, ecologistas defendendo que a legislação permaneça como está, alegando que alterações podem colocar em risco a preservação de nossos recursos naturais, a Amazônia em particular. De outro, produtores rurais alegam a necessidade de uma lei ambiental que possua menos restrições à atividade produtiva, pois estes limites, segundo eles, servem mais para inibir o potencial da competitiva agricultura brasileira do que propriamente proteger o meio ambiente. Trata-se, sem dúvida, de um debate tensionado por dois radicalismos, que precisam encontrar seu ponto de equilíbrio e convergência no Congresso Nacional - aliás, esta é a função fundamental do Legislativo em qualquer democracia.
Trata-se de um tema de importância crucial para o futuro do país, e que por isso mesmo, deveria chamar a atenção dos cristãos. Preservação ambiental e produção de alimentos seriam mesmo questões inconciliáveis? Como a fé cristã trata deste assunto? O que a Bíblia nos diz sobre esse assunto? Quem é mais importante, a ecologia ou a alimentação humana?
O livro do Gênesis nos apresenta um relato poético da criação que é prenhe de significados. Ao entregar a Adão o cuidado do Jardim do Éden, Deus confiou ao ser humano a missão e a responsabilidade de zelar sobre a criação. Nos tempos em que as igrejas não estavam preocupadas demais com a prosperidade financeira de seus membros e ainda se pregavam as doutrinas fundamentais da fé, era comum se falar do tema "Mordomia Cristã", o conceito de que somos "mordomos" de Deus, ou seja, gestores dos bens que Ele, na sua infinita bondade e sabedoria, nos legou.
Todavia, é a natureza que deve estar a serviço do homem, e não o contrário, como apregoa o “biocentrismo”, corrente científica que não identifica diferenças substanciais entre o homem e os animais. Não se trata de verdadeira ciência, mas sim de uma ideologia a serviço do radicalismo ecológico. Este pensamento se tornou a metafísica mais influente no atual movimento ambiental, que parte do pressuposto que os desequilíbrios ambientais do planeta são "antropogênicos", ou seja, gerados principalmente pelo homem, o que nem de longe é consenso na comunidade científica.
A Bíblia é profundamente ecológica. Mas não respalda o tipo de ecologia radical que vê o homem como um estorvo ao meio ambiente. Antes, pelo contrário, a fé cristã defende que a natureza pode e deve estar ao serviço do desenvolvimento da humanidade, e que por isso mesmo o uso dos recursos naturais deve ser sustentável. Ou seja, não há dicotomia entre a produção de alimentos e a preservação ambiental, como faz crer o movimento ecológico moderno.
O tipo de ecologia alarmista que hoje se manifesta, num jogo onde se misturam interesses poderosos e inconfessáveis, tenta impor uma legislação que, na prática, confisca reservas de terra de milhões de pequenos produtores, impedindo-os de ser sinal de luz e esperança num mundo tão necessitado de alimentos. O Brasil, abençoado com uma natureza pujante e uma agricultura de ponta, pode e deve olhar para a inspiração contínua do Evangelho, sendo fonte de alimento para as gerações futuras do planeta. Há quem prefira um país engessado por uma legislação ambiental profundamente restritiva, movimentos cegados para a realidade por uma ideologia que idolatra a natureza em detrimento da dignidade humana. “Não se preocupe com eles. São cegos guiando outros cegos. Ora, se um cego guia outro cego, os dois cairão num buraco” (Mateus 15: 14).
Deus vos abençoe abundantemente.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

União Homoafetiva ou Retrocesso Constitucional?



“Portanto, dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22:12)

Num julgamento que mobilizou as atenções de toda a sociedade civil, o Supremo Tribunal Federal promoveu um completo redesenho do conceito de entidade familiar, conforme expresso na Constituição Federal. Pela nova decisão, os casais homossexuais passam também a ser considerados como famílias. A decisão, apesar de ser polêmica na sociedade civil, foi aprovada pela unanimidade dos membros do STF aptos a julgar a causa. Outros temas que tinham maior penetração na sociedade, como a Lei da Ficha Limpa, nem de longe tiveram a mesma apreciação da nossa Suprema Corte.
As vozes contrárias à medida, tanto no que diz respeito ao mérito quanto à forma como foi aprovada, costumam ser satanizadas, especialmente se confessem a fé evangélica ou católica. Quando a CNBB ou uma igreja evangélica se pronunciam, logo surge alguém para lembrar que o Estado é Laico, querendo dizer que os cristãos não deveriam, de forma alguma, se pronunciar sobre temas da esfera pública, numa visão bastante peculiar e distorcida de democracia.
Como cristão, compreendo que a legislação civil não tem qualquer obrigação de recepcionar nossos valores, e que o Estado tem o dever de buscar o bem-estar de todos os seus cidadãos, independente de credo, raça e orientação sexual. Na verdade, o próprio Cristo instituiu claramente o princípio da separação entre Igreja e Estado, ao dizer “daí a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Entretanto, observar que dez ministros do STF decidiram reinterpretar a Constituição contrariando o que está no texto, é algo extremamente preocupante. O artigo 229 da Constituição afirma taxativamente que entidade familiar é aquela formada por homem e mulher. Para contrariar o que está escrito, os senhores togados apelaram para a poesia jurídica, criando uma interpretação, na prática, inconstitucional. Em outros casos, como a Lei do Ficha Limpa, metade dos juízes preferiu o que foi ignorado agora – a letra fria da lei.
Outro fato que me chamou a atenção no voto proferido pelos ministros, foi a má vontade com aquilo que foi chamado, num tom jocoso, de “família tradicional”. O ministro Ricardo Lewandowski foi bastante claro ao opor o “modelo heterossexual,de caráter patrimonial”, à família heteroafetiva, pra ele, “baseada no afeto”, quase como se não houvesse afeto nas relações heterossexuais, e como se a própria Ação julgada não buscasse direitos patrimoniais para os casais homoafetivos. Um viés ideológico de contestação à família como “núcleo da sociedade burguesa”, à moda Mark Poster. Há que se conceder direitos? Então mude-se a lei, mas não com o STF instituindo, na prática, uma nova legislação, furtando um papel que é do Legislativo. Se é verdadeiro o ditado que diz que o direito de um termina onde começa o de outro, as conquistas de um segmento da população não poderiam avançar às custas das garantias constitucionais de todos.