quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Ortodoxia e Pastoreio Feminino

Em novembro de 2012, um fato de profunda relevância teológica para o cristianismo do século XXI passou praticamente batido, tanto na mídia secular quanto na auto-proclamada mídia “evangélica”. A Igreja Anglicana da Inglaterra deliberou, em concílio, a continuidade da proibição da ordenação feminina para o episcopado. Na Igreja Anglicana, mulheres podem exercer a função de reverendas e diaconisas, mas lhes é interdita a ascensão ao bispado. O resultado desagradou o Arcebispo de Canterbury, Rowan Willians, e até mesmo o primeiro-ministro inglês David Cameron. Como já era previsto, a posição triunfante foi considerada uma vitória da “Ortodoxia”, uma vez que igrejas que pratiquem ou defendam a admissão de mulheres no ministério pastoral são consideradas “liberais” ou “heterodoxas”. Neste sentido, um enquadramento distorcido é tratado como verdade incontestável, e as igrejas evangélicas que consagram mulheres ao pastoreio, são tidas como “heterodoxas” sem que se lhes dê oportunidade de defesa. O termo “Ortodoxia” é resultante da junção dos vocábulos gregos “orthós” (reto) e “doxia” (opinião), com o sentido de “crença correta”, “opinião certa”. Ora, se os ortodoxos são os evangélicos que admitem apenas homens no pastoreio, a intenção da palavra deixa claro que as igrejas que admitem pastoras seriam “heterodoxas”, ou erradas mesmo. Mas, neste aspecto, com quem de fato estaria a “orthós”, a “retidão” do assunto? Sem pretensão de esgotar um assunto tão vasto, trago uma contribuição a este debate, dentro de uma cosmovisão pentecostal clássica – justamente o ambiente onde este tema é mais controverso. Em primeiro lugar, o “Pastor” do rebanho cristão só leva este nome por associação com a figura do pastor de rebanhos da Judéia. Deus, ao estabelecer sua Igreja, prometeu na sua palavra que supriria o povo com “pastores segundo o seu Coração”. E se o pastoreio de rebanhos de verdade é um modelo para o rebanho de Cristo, não deveria haver impedimento algum para que mulheres exercessem este ofício, já que na Bíblia, vemos vários exemplos de mulheres pastoreando rebanhos. "Enquanto Jacó ainda lhes falava, chegou Raquel com as ovelhas de seu pai; porque ela era pastora" (Gênesis 29.9). Assim como Raquel, também Lia, Zípora e outras mulheres exerciam o ofício de pastoras de rebanhos no Antigo Testamento. É ainda no Antigo Testamento que surgem o ministério profético de Débora e Miriã, a posição honrosa de Ester como rainha, e outras demonstrações de liderança feminina. Se no Antigo Testamento Deus não se incomoda com mulheres liderando, será que no Novo Testamento, justamente o ambiente em que a Graça irrompe na história humana, haveria um recuo? Esta tem sido a posição dos defensores mais empedernidos da exclusividade masculina do pastoreio, baseados em leituras descontextualizadas de 1ª Coríntios, e escorados no fato de os apóstolos originais serem todos homens. No entanto, é novamente a Bíblia quem nos apresenta mulheres exercendo função similar à dos apóstolos e evangelistas, como a profetisa Ana, filha de Fanuel (Lucas 2;36-38) e Júnias, que a Bíblia chama claramente de “apóstola”, tendo se convertido antes de Paulo de Tarso, que assim escreveu: “Saudai a Andrônico e a Júnias, meus parentes e meus companheiros de prisão, os quais são bem conceituados entre os apóstolos, e que estavam em Cristo antes de mim." (Romanos 16.7). Ao longo da história, igrejas históricas têm admitido mulheres no pastoreio, como a Igreja Luterana e a própria Igreja Anglicana, que nem de longe poderiam ser consideradas heterodoxas, antes tem se mantido fiéis à tradição reformada. E apesar de forte oposição de muitas das principais igrejas pentecostais ao pastoreio feminino, é justamente no seio pentecostal que uma igreja em particular – Igreja do Evangelho Quadrangular – viria a ser fundada por uma mulher, a missionária canadense Aimée Semple McPherson, que prega a mensagem pentecostal na Los Angeles dos anos 30, organizando uma igreja, uma estação de rádio e um instituto teológico numa época em que as mulheres nem sequer podiam votar. O Cristo a quem servimos, pela obra redentora da Cruz, desfez toda divisão e animosidade, concedendo também às mulheres liberdade para servir, adorar e – por que não? – liderar. Num mundo tão carente de lideranças confiáveis, se uma mulher sente-se chamada para servir a Deus através de seu dom de liderança, que se prepare para tal, e, em nome de Jesus, lidere! E siga firme, confiando na eficácia da Palavra ministrada por – lá vem ele outra vez – o apóstolo Paulo: Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus. (Gl 3, 27-28)

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