domingo, 10 de janeiro de 2016

Charlie Hebdo, assassinos da lógica

No auge da Revolução Francesa, a derrubada da monarquia estabeleceu uma nova ordem social, que alegava ter como mote a defesa permanente da “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. Em nome de palavras tão inefáveis, os revoltosos jacobinos, agora no poder, não tardaram a praticar a decapitação de adversários em série e a execução de famílias inteiras, tudo em nome da construção do “novo homem”. Um dos mais exaltados era Marat, tão radical que se posicionava à esquerda dos girondinos. Editava um jornal chamado “Amigo do Povo”, e costumava fazer listas de “inimigos (!) do povo” para ser decapitados. Num debate no parlamento, após mais um de seus inúmeros discursos de ódio, um adversário girondino, espirituosamente, declarou: “dêem um copo de sangue a esse canibal, porque ele está com sede”. É justamente da França, terra de um iluminismo laico que produziu um dos períodos mais sangrentos da história, que vem um dos fatos mais esclarecedores sobre os conflitos e desalinhos do nosso tempo. Na semana que marcou o primeiro aniversário do atentado ao jornal satírico Charlie Hebdo, a manchete do jornal dizia “O Assassino ainda está a solta”. Na capa, Deus – ao menos, na forma como o imaginário renascentista costumava representá-lo – empunhando uma metralhadora, em posição sorrateira. O recado não poderia ser mais claro: para os satiristas do Charlie, o atentado em que morreram alguns de seus colegas, não foi o extremismo islâmico, nem mesmo a religião muçulmana, mas sim o próprio conceito de religião, e, muito especialmente, aquele que é princípio e fim de todo sentimento de fé. O fruto da religião – especialmente a religião cristã – universalmente, sempre foi a promoção da concórdia e da fraternidade universal. Entretanto, a ação efetiva de grupos facciosos e extremistas que cada vez mais matam em nome de Alá, tem dado munição aos críticos da religião, herdeiros do pensamento iluminista mais radical, para quem a religião é fonte de ignorância, extremismo e morte. Charlie Hebdo, na França, e certos segmentos da mídia e do humor no Brasil, são filhos e netos de um laicismo que produziu rebentos como o Terror jacobino, o marxismo leninista-stalinista, o maoísmo e outras filosofias que se especializaram em produzir cadáveres em série. O moderno ateísmo da intelectualidade pós-moderna, com a mensagem de Charlie Hebdo, aproveita-se da solidariedade cristã colhida nos atentados para investir contra a religião como um todo. Torna-se, assim, aliado objetivo do mesmo terrorismo que a vitimou, e cúmplice dos cadáveres de centenas de cristãos sumariamente executados por grupos como Estado Islâmico, Boko Haram, Jihad, Fatah e diversos outros. Somente em 2014, foram executados mais de 100 mil cristãos em todo o mundo. Mas, segundo o raciocínio sinuoso de Hebdo, eles também são culpados. A canalhice ideológica sempre culpa as vítimas, e até mesmo vítimas do terrorismo são capazes dela. Não é a primeira vez na história humana que cristãos são vistos como gente execrável. Na Roma Antiga, aquela gente estranha que não rezava aos deuses romanos nem participava de suas animadas orgias nas termas, foi o bode expiatório que Nero César encontrou, acusando-os não somente pelo incêndio de Roma, mas também do crime de odium humani generis (ódio contra a humanidade). Hoje, o fogo do terror corrói as bases da civilização ocidental, mas os cristãos estão novamente sob a mira da acusação. E os jornalistas do Hebdo fizeram sua escolha: em nome de uma sociedade sem Deus, vale apoiar os que tentam (em vão) extirpar o cristianismo do mapa. Mesmo que tome um atentado no meio do caminho. Dêem um copo de sangue a esses chargistas...eles devem estar com sede.

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